Clima de desalento
O impasse internacional na questão do aquecimento do planeta nunca ficou tão claro quanto na terceira e última parte do Quinto Relatório de Avaliação (AR5) do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Um abismo separa as recomendações desse corpo de especialistas e a realidade da economia mundial.
Para os 235 autores de 57 países que finalizaram o relatório, o primeiro do IPCC desde 2007, os governos precisam tomar já medidas para diminuir as emissões de gases do efeito estufa. Até 2050, a redução teria de alcançar algo entre 40% e 70% sobre os níveis de 2010.
Sem isso, a atmosfera evoluiria para uma situação de alto risco. Haveria provável aumento na frequência de eventos climáticos extremos, como as secas que assolaram Nordeste e Sudeste do Brasil (para não falar da Califórnia e da Austrália), ou como as enchentes amazônicas no rio Madeira.
Convencionou-se que 2°C é o limiar de elevação da temperatura média global que seria imprudente ultrapassar. Para mitigar tais riscos é que se exigem as reduções aventadas pelo IPCC.
Idealmente, os cortes nas emissões já deveriam ter sido iniciados. Mas o processo de negociação da Convenção do Clima, aprovada em 1992 no Rio, andou muito mal até aqui. Divergências entre países ricos, emergentes e pobres sobre repartição de responsabilidades e custos da mitigação deram em becos sem saída.
Com isso, mais a revitalização dos combustíveis fósseis propiciada pelo boom do gás de xisto nos Estados Unidos, as emissões seguiram crescendo, em vez de cair. E, pior, num ritmo até mais rápido do que em décadas anteriores.
De 2000 a 2010, a taxa de incremento ficou em 2,2% ao ano. Nos três decênios anteriores, a média anual havia sido de 1,3%. Vale dizer, a economia mundial pisou mais fundo no acelerador do aquecimento global, mesmo com a crise de 2008/2009.
Para alcançar até 2050 a pretendida diminuição de emissões, ela teria de começar no máximo em 2020. Ora, se o mundo seguiu na contramão pelos últimos 22 anos, como esperar que em apenas seis possa reverter tal curso, em especial quando a Europa e boa parte dos países pelejam para reviver economias que patinam?
O corte nas emissões exige nada menos que uma revolução energética, em direção às fontes renováveis. Não é algo que se possa obter em uma ou duas décadas, sobretudo porque demandará investimentos que poucas nações se acham em condições de realizar.
Clique aqui para ver o artigo publicado no editorial do jornal Folha de S. Paulo 20/4/14