Recentemente o Financial Times publicou um artigo intitulado “Green book keeping shows hidden cost of business as usual” do analista de investimento Jack McGinnii relatando o caso da Puma, a gigante alemã de artigos esportivos, que em 2010 foi a pioneira em gerar o primeiro relatório de perdas e ganhos ambiental (Environmental P&L) que estimava que as suas operações e sua estrutura de supply chain haviam causado €145 milhões de impacto ao meio ambiente.
O impressionante nestes dados da contabilidade ambiental da Puma é por um lado a representatividade deste valor em relação ao lucro líquido da organização naquele exercício que fora de €202 milhões. Trocando em miúdos, se os cálculos das perdas provocadas pelos danos ao meio ambiente fossem “consolidados” em um hipotético P&L Global (Traditional P&L Tradicional + Environmental P&L) os resultados da empresa seriam reduzidos em 71%. Outra reflexão resultante desta iniciativa é a que se estes custos invisíveis, ou que ainda são de difícil mensuração pelos sistemas tradicionais de apuração da performance das empresas têm o potencial de causar tamanho impacto nas demonstrações financeiras de uma das companhias referência na gestão ambiental, podemos imaginar a sangria que semelhante revelaria em outras companhias com menor preocupação quanto à sustentabilidade ou setores de atividades mais perniciosas ao meio ambiente. Sem falar nos impactos sociais e econômicos…
Este é um interessante exemplo da aplicação prática do conceito chamado pelos economistas de externalidades, os efeitos externos, as situações em que uma atividade de produção ou consumo desenvolvido por um agente econômico gera custos ou benefícios para outros agentes, não capturados pelo sistema de preços. Como Joseph Stiglitz define em seu The Price of Inequality quando aqueles agentes que prejudicam outros não são responsáveis pelas consequências de seus atos, eles terão incentivos inadequados ou distorcidos para não prejudicar os demais, e tomar as medidas necessárias para evitar que o risco venha a se concretizar. São os chamados “hidden costs” que nossos sistemas tradicionais de mensuração de valor e a contabilidade têm uma grande dificuldade de capturar.
Diante da crescente conscientização sobre a importância da sustentabilidade, cresce a necessidade do desenvolvimento de mecanismos mais acurados de mensuração da real sustentabilidade dos negócios. Tanto na literatura acadêmica como de negócios a Responsabilidade Social Corporativa e a Sustentabilidade são tópicos ainda envoltos em grande controvérsia especialmente quanto ao potencial dos seus investimentos relacionados serem geradores ou destruidores de valor ou mesmo irrelevantes.
Uma solução possível para este debate ético normativo por um lado e instrumental estratégico por outro da Responsabilidade Social Corporativa e da Sustentabilidade seria buscar formas de quantificar as externalidades da ação dos agentes econômicos e lhe dar transparência, corrigindo a medida do possível as imperfeiçoes do mercado de preço. No limite, a controvérsia entre a teoria econômica tradicional sobre o papel social das empresas na maximização do valor ao acionista e a teoria dos stakeholders em que a firma é responsável por gerenciar e coordenar uma constelação de interessantes conflitantes e cooperativos se
esgotaria. Se todos os custos fossem parte endógena do sistema de mensuração da performance das corporações, a maximização dos resultados ao acionista ao se concretizar garantiria a observância e a gestão de todos os demais interesses de forma eficiente. A sustentabilidade do negócio no longo prazo em termos de geração de valor para os titulares dos direitos residuais de propriedade sobre os resultados e ativos da empresa (os acionistas) só seria possível através de uma adequada e eficiente gestão de todos os componentes de custos fossem eles econômicos, ambientais e sociais.
Dentro deste espírito entendo ser de extrema relevância para o público financeiro a pergunta, que pode ser entendida até como um desafio, colocada por Roberto Waack, presidente da Amata, empresa do setor florestal, e membro do conselho internacional da GRI em artigo publicado no dia 29/07/2013 na revista digital Mercado Ético: “Contadores vão salvar o mundo?”iii. Segundo ele a relação de externalidades com o valor das empresas parece ser o nome do jogo, tema que vem sendo amplamente discutido nos foros do Global Reporting Initiative (GRI) e que iniciativas como a integração dos relatórios de informações financeiras, ambientais e sociais em um só documento (Relatórios Integrados) começam a dar forma e ganhar vulto entre as empresas e os órgãos reguladores.
A comunidade financeira tem aqui um grande desafio em relação ao tema sustentabilidade. O assunto ganha em relevância e importância estratégica. E mais do que isto ganha contornos de gestão eficiente de riscos e mesmo de custos. Como o exemplo da Puma atesta muitos poderão se surpreender com o real valor gerado por suas organizações quando as externalidades forem sendo apuradas e “incorporadas” ao seu P&L. E surpresa não é uma palavra que deixe qualquer financeiro à vontade. Assim, não creio que ainda seja o caso de na contratação do seu próximo controller exigir mais conhecimentos de GRI do que IFRS ou USGAAP, mas é bom começar a se preocupar com isso, pois em um futuro talvez não tão distante tudo deverá estar integrado em uma mesma equação.
i Executivo brasileiro que atuou em Finanças Corporativas, Controladoria Financeira e Gestão de Risco & Compliance em companhias como Unilever e Alpargatas no Brasil e no exterior. Atualmente é candidato a doutorado pelo Instituto Universitario de Investigación Ortega y Gasset / UCM de Madrid em Governo & Políticas Públicas onde desenvolve pesquisa na área de políticas públicas em Responsabilidade Social Corporativa (RSC).
ii ‘Green’ bookkeeping shows hidden cost of business as usual by Jack McGinn. http://www.ft.com/intl/cms/s/0/0b708b78-d751-11e2-a26a- 00144feab7de.html#axzz2ackncOFz. iii Contadores vão salvar o mundo? Roberto Waack. http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/contadores-vao-salvar-o-mundo/.
Boa reflexão, existem muitas iniciativas no mundo buscando dar um novo sentido a gestão dos negócios. Um primeiro passo e gerar maior consciência.